Carta ao Rei - actualidade com 100 anos!
«Senhor:
Em 1886 tiveram os montanheses do Gerês a honra e a inesquecível alegria da visita do seu Rei e o ingénuo acolhimento festivo que lhe fizeram e o incomparável pitoresco da montanha, calaram tão profundamente no espírito e no ânimo bondoso do augusto pai de Vossa Majestade que ele declarou que foram dos melhores dias da sua vida, os poucos ali passados!
Mal pensavam os montanheses do Gerês que esses dias tão gratos a Sua Majestade, lhe custariam a eles, anos de desgosto e agravos.
Senhor!
Do facto citado derivou a criação da Mata Nacional do Gerês, para mal dos povos da serra.
Não desconhece esta câmara as vantagens da arborização dos incultos e a sua eficaz influência na riqueza pública. Descendo porém da tese à hipótese, afirmamos que a arborização empreendida no Gerês desde 1886 não tendo exercido nem vindo a exercer a menor influência directa ou indirecta na riqueza do país, tem agravado a vida económica dos povos geresianos pelo absoluto desprezo, não só do seu direito consuetudinário que alguma coisa vale, como do seu direito positivo que os tribunais lhe garantiram.
Senhor!
São dois os factores que determinaram a arborização dos incultos: o agrícola e o económico. O factor agrícola abrange o regime das águas pluviais, subterrâneas e dos cursos, e o abrigo, fixação e melhoramento dos terrenos; o factor económico a exploração florestal.
Pela necessidade de sermos, quanto possível, concisos, diremos somente que relativamente ao factor agrícola, a arborização tentada no Gerês, desde 16 anos a esta parte, não tem modificado em nada nem jamais modificará a bacia torrencial respectiva visto que as zonas escalvadas que a formam, escalvadas estão e estarão sempre; e quanto aos demais efeitos agrícolas da arborização, as plantações efectuadas circunscritas aos contrafortes da montanha espontaneamente revestidos de mato e arvoredo, não passam de uma substituição infeliz da flora espontânea por uma planta exótica, o pinho marítimo que a longa e dispendiosíssima experiência de 10 anos demonstra ser de aclimação difícil, senão impossível comparando o seu raquítico desenvolvimento até com o que apresenta no litoral e com o do carvalho e castanheiro que formam as matas espontâneas da serra.
E é nestas inutilidades que todos podem verificar de visu, que se tem gasto a maior parte das dezenas e dezenas de contos em 16 anos de experiências, com o único resultado positivo de oprimir os povos violentando-se as condições tradicionais da sua vida económica.
Quanto ao outro factor, a exploração florestal nem sequer comporta discussão e a grande distância aos centros de venda só a despesa do transporte anula qualquer presumida vantagem de concorrência e o consumo local será nulo ou quase nulo.
Eis a verdade dos factos dos quais forçoso é concluir a avultada despesa averbada à Mata Nacional do Gerês, à parte a feita nos primeiros anos com os caminhos florestais, cuja conservação, aliás, tem sido muito descurada entre na categoria das despesas voluptuárias, nem sequer defendidas por um pequeno incremento do pitoresco da serra para gozo, ao menos, dos raros alpinistas da vilegiatura termal: nem sequer isso.
De toda essa despesa, absolutamente irreprodutiva, uma só consequência positiva resulta: a opressão e o prejuízo dos povos da montanha, com essas mudanças de sementeiras de resultados nulos ou, pelo menos, precários, espalhados por aqui e por além, num tão largo perímetro que impossível é vigiá-las e tratá-las convenientemente, são os povos esbulhados dessas extensas pastagens aliás indispensáveis na situação actual da sua rude e atrasada exploração agrícola: e é rudimentar que o meio industrial dum povo só pode modificar-se lentamente, muito lentamente, para que a transformação seja de utilidade, segura e isenta de reacções, violentas ou fraudulentas, que nunca faltam nas transformações bruscas.
Ora o facto é que, depois do desaparecimento das chuvas, a serra produz uma erva abundante e de muito boa qualidade, podendo o gado ali viver e alimentar-se nas melhores condições durante todo o verão.
E tal é o regime pecuário tradicional daqueles povos, o qual só pode ser abandonado depois de uma radical transformação agrícola, muito lenta quando mesmo tentada com circunspecção, e que de modo algum pode ser imposta por simples decretos como o de 9 de Setembro de 1904 publicado no Diário do Governo de 20 do mesmo, submetendo ao regime florestal os terrenos denominados “mourinho” e o aforado por esta câmara aos povos de Vilarinho da Furna.
E não se diga que este decreto ressalva a liberdade das pastagens porque o seu artigo que tal considera traduz uma ilusão, assim capitulada por sinceramente repelirmos a ideia duma mistificação.
Pois se as sementeiras obrigam a afastar os gados durante muito tempo, claro é que em poucos anos a serra (cujo perímetro reservado, abrangendo as melhores pastagens, é enorme) estará toda semeada e, portanto, defesa durante muitos anos. E os gados?!
Senhor:
Os habitantes do lugar e freguesia de S. João do Campo do Gerês usufruem em nome de um direito que lhes está garantido por uma sentença que transitou em todas as instâncias, as pastagens dos montes denominados «Mourinho». E os habitantes do lugar de Vilarinho da Furna, da mesma freguesia, usufruem o mesmo direito a um outro terreno em nome dum contrato de aforamento que lhes foi feita pela Câmara.
O decreto de 9 de Setembro, acima citado, calcando e desprezando aquele direito, sujeitou aqueles montados ao regime florestal ou decretou a sua expropriação por utilidade pública, esbulhando, de facto, aqueles povos do aproveitamento das pastagens a que têm direito e ainda por cima preparando-lhes armadilhas de “caça às multas”, dada a pequena distância a que esses montes ficam dos povoados sem os quais eles não podem viver e a nem sempre ser possível uma rigorosa pastoreação!
E toda esta opressão, todo este prejuízo sem o mínimo interesse público e com avultadíssima despesa improdutiva como demonstramos.
Senhor!
A Câmara Municipal de Terras de Bouro suplica a Vossa Majestade a graça de que seja revogado o decreto de 9 de Setembro de 1904 publicado no Diário do Governo de 20 do mesmo mês e ano na parte em que sujeito ao regime florestal os terrenos denominados «Mourinho» e o aforado por esta Câmara aos povos de Vilarinho da Furna e na parte em que declara de utilidade pública a expropriação dos mesmos terrenos, decreto subversivo de direitos garantidos por sentença e atentório dos legítimos interesses e tranquilidade daqueles povos».
(Monsenhor Paulo Antunes)
Em 1886 tiveram os montanheses do Gerês a honra e a inesquecível alegria da visita do seu Rei e o ingénuo acolhimento festivo que lhe fizeram e o incomparável pitoresco da montanha, calaram tão profundamente no espírito e no ânimo bondoso do augusto pai de Vossa Majestade que ele declarou que foram dos melhores dias da sua vida, os poucos ali passados!
Mal pensavam os montanheses do Gerês que esses dias tão gratos a Sua Majestade, lhe custariam a eles, anos de desgosto e agravos.
Senhor!
Do facto citado derivou a criação da Mata Nacional do Gerês, para mal dos povos da serra.
Não desconhece esta câmara as vantagens da arborização dos incultos e a sua eficaz influência na riqueza pública. Descendo porém da tese à hipótese, afirmamos que a arborização empreendida no Gerês desde 1886 não tendo exercido nem vindo a exercer a menor influência directa ou indirecta na riqueza do país, tem agravado a vida económica dos povos geresianos pelo absoluto desprezo, não só do seu direito consuetudinário que alguma coisa vale, como do seu direito positivo que os tribunais lhe garantiram.
Senhor!
São dois os factores que determinaram a arborização dos incultos: o agrícola e o económico. O factor agrícola abrange o regime das águas pluviais, subterrâneas e dos cursos, e o abrigo, fixação e melhoramento dos terrenos; o factor económico a exploração florestal.
Pela necessidade de sermos, quanto possível, concisos, diremos somente que relativamente ao factor agrícola, a arborização tentada no Gerês, desde 16 anos a esta parte, não tem modificado em nada nem jamais modificará a bacia torrencial respectiva visto que as zonas escalvadas que a formam, escalvadas estão e estarão sempre; e quanto aos demais efeitos agrícolas da arborização, as plantações efectuadas circunscritas aos contrafortes da montanha espontaneamente revestidos de mato e arvoredo, não passam de uma substituição infeliz da flora espontânea por uma planta exótica, o pinho marítimo que a longa e dispendiosíssima experiência de 10 anos demonstra ser de aclimação difícil, senão impossível comparando o seu raquítico desenvolvimento até com o que apresenta no litoral e com o do carvalho e castanheiro que formam as matas espontâneas da serra.
E é nestas inutilidades que todos podem verificar de visu, que se tem gasto a maior parte das dezenas e dezenas de contos em 16 anos de experiências, com o único resultado positivo de oprimir os povos violentando-se as condições tradicionais da sua vida económica.
Quanto ao outro factor, a exploração florestal nem sequer comporta discussão e a grande distância aos centros de venda só a despesa do transporte anula qualquer presumida vantagem de concorrência e o consumo local será nulo ou quase nulo.
Eis a verdade dos factos dos quais forçoso é concluir a avultada despesa averbada à Mata Nacional do Gerês, à parte a feita nos primeiros anos com os caminhos florestais, cuja conservação, aliás, tem sido muito descurada entre na categoria das despesas voluptuárias, nem sequer defendidas por um pequeno incremento do pitoresco da serra para gozo, ao menos, dos raros alpinistas da vilegiatura termal: nem sequer isso.
De toda essa despesa, absolutamente irreprodutiva, uma só consequência positiva resulta: a opressão e o prejuízo dos povos da montanha, com essas mudanças de sementeiras de resultados nulos ou, pelo menos, precários, espalhados por aqui e por além, num tão largo perímetro que impossível é vigiá-las e tratá-las convenientemente, são os povos esbulhados dessas extensas pastagens aliás indispensáveis na situação actual da sua rude e atrasada exploração agrícola: e é rudimentar que o meio industrial dum povo só pode modificar-se lentamente, muito lentamente, para que a transformação seja de utilidade, segura e isenta de reacções, violentas ou fraudulentas, que nunca faltam nas transformações bruscas.
Ora o facto é que, depois do desaparecimento das chuvas, a serra produz uma erva abundante e de muito boa qualidade, podendo o gado ali viver e alimentar-se nas melhores condições durante todo o verão.
E tal é o regime pecuário tradicional daqueles povos, o qual só pode ser abandonado depois de uma radical transformação agrícola, muito lenta quando mesmo tentada com circunspecção, e que de modo algum pode ser imposta por simples decretos como o de 9 de Setembro de 1904 publicado no Diário do Governo de 20 do mesmo, submetendo ao regime florestal os terrenos denominados “mourinho” e o aforado por esta câmara aos povos de Vilarinho da Furna.
E não se diga que este decreto ressalva a liberdade das pastagens porque o seu artigo que tal considera traduz uma ilusão, assim capitulada por sinceramente repelirmos a ideia duma mistificação.
Pois se as sementeiras obrigam a afastar os gados durante muito tempo, claro é que em poucos anos a serra (cujo perímetro reservado, abrangendo as melhores pastagens, é enorme) estará toda semeada e, portanto, defesa durante muitos anos. E os gados?!
Senhor:
Os habitantes do lugar e freguesia de S. João do Campo do Gerês usufruem em nome de um direito que lhes está garantido por uma sentença que transitou em todas as instâncias, as pastagens dos montes denominados «Mourinho». E os habitantes do lugar de Vilarinho da Furna, da mesma freguesia, usufruem o mesmo direito a um outro terreno em nome dum contrato de aforamento que lhes foi feita pela Câmara.
O decreto de 9 de Setembro, acima citado, calcando e desprezando aquele direito, sujeitou aqueles montados ao regime florestal ou decretou a sua expropriação por utilidade pública, esbulhando, de facto, aqueles povos do aproveitamento das pastagens a que têm direito e ainda por cima preparando-lhes armadilhas de “caça às multas”, dada a pequena distância a que esses montes ficam dos povoados sem os quais eles não podem viver e a nem sempre ser possível uma rigorosa pastoreação!
E toda esta opressão, todo este prejuízo sem o mínimo interesse público e com avultadíssima despesa improdutiva como demonstramos.
Senhor!
A Câmara Municipal de Terras de Bouro suplica a Vossa Majestade a graça de que seja revogado o decreto de 9 de Setembro de 1904 publicado no Diário do Governo de 20 do mesmo mês e ano na parte em que sujeito ao regime florestal os terrenos denominados «Mourinho» e o aforado por esta Câmara aos povos de Vilarinho da Furna e na parte em que declara de utilidade pública a expropriação dos mesmos terrenos, decreto subversivo de direitos garantidos por sentença e atentório dos legítimos interesses e tranquilidade daqueles povos».
(Monsenhor Paulo Antunes)
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