O Mezio teve uma festa, a grande festa do cimento armado. Toda a gente sabe, que o cimento se anda a armar há muito tempo e tem, agora, um poder incontrolável. São tantos e tão abrangentes os exemplos do seu poder que intimida pensar contrariá-lo. Por isso, o melhor é fazer-lhe festas, render-lhe homenagem, prestar-lhe vassalagem, cair-lhe em graça…
Mas, não foi uma festa popular, foi um encontro de entidades que se juntaram para inaugurar um novo período histórico. Depois do megalitismo… da nobreza da pedra temos, agora, o período do “cimentismo” industrial. Uma festa a lembrar, também, uma espécie de tourada, tanto foi o ferro espetado.
Naturalmente, os festeiros devem estar muito orgulhosos do grande feito, que lhes vai garantir a entrada directa nos manuais da história. Numa leitura marginal, este feito histórico é mais uma prova de que o homem tem descendência no macaco, aliás, uma teoria que a prática confirma sem esforço.
A festa só não foi rija porque as ideias estavam demasiado amolecidas, devido ao ambiente requentado dos gabinetes a que o longo e rigoroso inverno obrigou. Mas, o enorme sentido de cumprimento do dever e, sobretudo, de oportunidade arrastou os mais renitentes para a comemoração de mais uma vitória.
Estranhamente, nos discursos de circunstância soaram alguns aplausos desafinados. Erros técnicos, justificados pela variação radical que pauta a contradição. Não é fácil, sentir que os rios de saliva que fizeram fluir a ciência do latim, com elevada elegância e mestria técnica, desaguaram no esgoto.
O cimento armado, disfarçado com ripinhas de madeira, invadiu e conquistou o espaço estratégico do Mezio e, sem qualquer resistência, plantou-se à porta da conservação da natureza.
Um período histórico, que inaugura um corte na relação com a natureza e o meio ambiente. Os materiais nobres foram destituídos da paisagem e, numa demonstração de crueldade do poder instalado, a pedra de porpianho da casa do ex-centro de interpretação foi cimentada e pintada de cor-de-rosa, a cor oficial.
A ameaça paira, agora, sobre as antas.
A serra de Soajo começa a aliviar o luto carregado pelas imensas vidas inocentes cremadas em 2006, vítimas de planos diabólicos e sacrificadas em honra de pequenos deuses, que assim vão ordenando. A festa bateu-lhe à porta e provocou-lhe uma recaída de nojo, os serranos não cantaram nem dançaram.
A porta abriu pela Páscoa, como manda a tradição, na esperança de ver abençoados os festejos da imoralidade. Mas, os actos praticados num passado sempre muito presente assombram tamanha pretensão.
J. Enes
(Com autorização do autor)